sábado, 21 de agosto de 2010

E o Rio de Janeiro continua... lindo?

Fiquei sabendo pelo twitter agora de manhã que um grupo armado iniciou um tiroteio com a polícia em São Conrado, invadiu o Hotel Intercontinental e fez funcionários reféns (matéria do G1 aqui).
Isso causou um movimento no twitter, o pessoal revoltado com a situação do Rio, perguntando onde vamos parar, dizendo que não adianta colocar panos quentes, varrer pra baixo do tapete e empurrar olimpíadas e copa do mundo pro povo esquecer.
Concordo plenamente que isso é um absurdo, chega a ser surreal imaginar que você está trabalhando tranquilamente na cozinha do hotel quando 15 homens armados com fuzis invadem o local e te fazem de refém.
Mas fica a pergunta: por que razão a revolta só aparece quando ocorrem esses fatos no eixo Barra/Zona Sul? Há um mês uma criança de 11 anos morreu na sala de aula, atingida por uma bala perdida, e eu não vi a mesma comoção. Quase diariamente, os moradores das favelas cariocas são igualmente feitos de reféns em suas próprias casas em meio a trocas de tiros, seja da polícia com os traficantes ou de grupos rivais do tráfico que tentam dominar uma mesma área.
A empregada lá de casa, a duras penas, comprou uma antena parabólica para ela, que semanas depois estava inutilizada graças a buracos de tiros. Ela tem hora para sair e chegar, não pode circular livremente, é obrigada a passar por sentinelas de 12, 13 anos armados na entrada de sua rua e cumprimentá-los, pois se não o fizer corre risco de vida. Ela tem uma filha, de 15 anos, que não pode viver a adolescência que nós vivemos, indo a festinhas, passeando, levando as amigas pra estudar em casa. Fora que, a polícia quando vai nas favelas, atira onde der na telha e depois planta armas e drogas na mão do infeliz, se errar o alvo.
Mas na favela é normal, né? Acontece todo dia. Revoltante é quando chega pertinho de mim, na zona sul. Aí não, né? Aí eu tenho que protestar no twitter!!
Olha, os cariocas, eu incluída, temos que fazer um exercício diário de indignação. Realmente é fácil se habituar a essa balbúrdia, recebendo notícias assim todos os dias. É a mesma coisa que a guerra no oriente médio, por exemplo. Uma vez na semana a gente ouve uma notícia de atentado com carro-bomba, e só pensa "puxa, que coisa" - como se ouvisse sobre a extinção da ararinha-azul. Mas como é lá longe, esquece rápido, não se sente atingido.
A mesma coisa da insegurança pública no RJ: a gente ouve, mas como é lá longe na favela, passa batido. Não, temos que fazer o exercício da indignação, temos que sair da zona de conforto de achar triste, mas rotineiro! Parar de ler o jornal, ficar um pouco chateado, e imediatamente virar a página e escolher que filme ver mais tarde.
É muito sério o que acontece lá, e muito mais sério o que acontece nas favelas diariamente do que o que aconteceu hoje em São Conrado.
Que fique claro: não estou dizendo de forma nenhuma que as pessoas não devem se revoltar com o que aconteceu hoje, estou dizendo que NÃO SÓ com isso.
Jamais vou esquecer do depoimento do pai do menino de 3 anos, morto por engano pela polícia em 2008, dado a Ricardo Boechat poucos dias após o ocorrido: "eu não aceito que meu filho seja mais um a entrar para as estatísticas, se isso aconteceu com ele que não seja à toa, que provoque alguma mudança real."
Esse caso aconteceu pouco antes de eu vir morar em Aracaju, e contribuiu na decisão de me mudar. Lembro que eu falava na época: eu não quero me acostumar com isso, eu não posso perder a capacidade de me indignar.
Fazendo coro com o pai de João Roberto, continuo com esperança de que essas crianças que morrem possam provocar alguma mudança. E fico muito triste por escrever a última frase no presente 'morrem' ao invés do passado 'morreram'.

PS: odeio o termo politicamente correto, e amplamente difundido, comunidade. Só porque o então prefeito César Maia pintou alguns barracos com uma tinta bem coloridinha e fofa na época do favela-bairro, as favelas não viraram comunidades, nem muito menos bairros. Não adianta mudar só o nome. Isso é mascarar tanto quanto pintar a fachada dos barracos. Favela é feio, não contribui com o turismo, então a gente chama comunidade pra dar a idéia de um bairro de periferia de novela das oito, um pessoal divertido, que samba e come pastel e vai ao piscinão de Ramos. Não, obrigada. Continuarei usando a nomenclatura antiga, favela, até que alguma mudança mais efetiva do que a de nome seja feita nesses locais.

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